Francisco Felizol
Praxis-CFUL
Entre rei sagrado e vítima microcósmica, bobo judicial e carrasco executivo: Os vértices antropológicos da soberania ante a ameaça populista
3 December 2024, 17h00 (Lisbon Time — GMT+0)
Sala Mattos Romão (Room C201.J – Department of Philosophy)
School of Arts and Humanities – University of Lisbon
Abstract
Em 1975, Foucault entronizava o soberano grotesco como um dos motores do poder. Esta ideia poderá ser melhor compreendida e fundamentada com o auxílio de uma antropologia que detecte as máscaras, sombras e misturas com que, nas sociedades humanas, o poder se costuma revestir. Nesta perspetiva, se, na esteira de Frazer, Hocart e Girard, as origens do poder político parecem remeter ao rei sagrado, também este é imediatamente remetível a outras figuras ou tipos. Sendo rei sagrado já de si potencial vítima (ou vítima adiada, e aí a sua proximidade com o homo sacer e o deuotus) com cariz microcósmico (o que acontece ao seu corpo acontece ao cosmos, ao reino), encontra-se na vizinhança antropológica do que tentaremos perceber como o bobo judicial (no âmbito do riso fertilizante e assassino, apontado, com a criança e o louco, à verdade tão violenta quão inocente) e o carrasco executivo (a também fertilizante execução mortal da de-cisão que o pode assegurar como soberano). Os tabus imobilizadores, a gravitas do rei (ou, hoje, do líder) fazem mais do que moderar os seus movimentos e decisões, sempre perigosos, mais do que conter nele o ambíguo sagrado antropológico (tão salvífico quanto violento): mantêm com ele, aquilo que tentaremos perceber como os outros três vértices da soberania, a vítima microcósmica, o bobo judicial e o carrasco executivo, a distância segura. Contudo, o progressivo colapso destas distâncias e interdições, liberta o sagrado que o rei, em sim deve conter; transborda-se para o palco, senão já para a rua, o trono, o altar, o circo e o patíbulo. Que tudo se acelera e precipita, mais as quatro figuras se aproximam esboçando a figura do soberano grotesco. Quando, desde os fundamentos do poder soberano, este caos sagrado emerge, assistimos a uma perigosa degradação do poder. À medida que, no lugar do poder, ante o avançar do espectáculo igualizado em que se torna a política, se assiste à queda de barreiras e limites, o soberano grotesco e os seus perigos parecem regressar, à direita e à esquerda, na forma do que usamos chamar de populismo. Talvez por esta via, se possa compreender melhor a atracção, aparentemente contemporânea, deste e do líder que lhe dá rosto.