Praxis Seminar: Research Colloquium in Practical Philosophy 2023/24, Session 13

Mariana Teixeira

Praxis-CFUL

Ambiguidade e Dilaceração: Simone de Beauvoir Entre o Eco- e o Xeno-Feminismo

12 March 2024, 17h00 (Lisbon Time — GMT+0)

Sala Mattos Romão (Room C201.J – Department of Philosophy)

School of Arts and Humanities – University of Lisbon

 

Abstract

A distinção entre género como construção social e sexo como dado biológico tem implicações emancipatórias bem conhecidas: se as mulheres não são naturalmente inclinadas a determinados papéis, espaços e actividades sociais, ou seja, se estes condicionamentos são historicamente impostos, também podem ser historicamente transformados. Por mais libertadores que tenham sido os seus efeitos, esta ideia foi mais tarde contestada por uma suposta depreciação masculinista da natureza em favor da agência humana. No âmbito do feminismo, estas posições opostas são representadas pelas vertentes xeno- e ecofeminista: enquanto a primeira vê a emancipação como transcendência, como domínio da natureza, a segunda equipara-a antes à imanência, a uma ligação harmoniosa com a natureza. Em ambos os casos, no entanto, a divisão sexo/género tende a ser preservada na sua dicotomia aparentemente intransponível. Para evitar a adoção unilateral de um dos pólos – natureza ou cultura, imanência ou transcendência -, sugiro que um tratamento mais convincente da relação entre sexo e género (natureza e cultura, corpo e mente) pode ser obtido a partir dos escritos de Simone de Beauvoir. Embora critique decididamente o confinamento multissecular das mulheres à imanência, Beauvoir não equipara a emancipação ao mero aumento do controlo das mulheres sobre os seus corpos e o mundo natural, , uma vez que a imanência não é vista apenas como um limite à transcendência, mas também como a sua própria condição de possibilidade. A conceção intersubjectiva de Beauvoir da individualidade e a sua recusa de uma dualidade ontológica entre natureza e espírito permitem, assim, uma conceção da condição humana como simultaneamente sujeito e objeto. Para compreender as diferentes formas de experienciar esta tensão, proponho ainda uma distinção entre ambiguidade existencial e dilaceração contingente. Deste modo, numa perspetiva beauvoiriana, a emancipação seria concebida não como a eliminação da ambiguidade entre imanência e transcendência; em vez disso, envolveria a superação, por meio do movimento recíproco das subjectividades encarnadas, de uma dilaceração não mediada.