Seminar Series in Analytic Philosophy 2003-04
Session 14 23 July 2004
Stephen Schiffer (New York University)
What Reference Has to Tell us About Meaning
What reference has to tell us about meaning is—anyway, arguably is—that only the theory of pleonastic propositions can account for the fact that many of the propositions we say and believe have what I call the relativity feature. A proposition has the relativity feature provided it’s an x-dependent proposition the entertainment of which requires different people, or the same person at different times or places, to think of x in different ways (an x-dependent proposition is a proposition that’s individuated partly in terms of the thing x and wouldn’t exist if x didn’t exist). Suppose that in order to correct the impression caused by my fluent use of Portuguese, I say to you ‘I’m not Portuguese’. In the event, you and I know I said that I’m not Portuguese. Now, in order for me to know I said that proposition, I must think of myself in the self-conscious way associated with the pronoun ‘I’; but that’s not how you must think of me in order to know I said that proposition, since you can’t think of anyone other than yourself in the self-conscious way. So one example of a proposition that has the relativity feature is the proposition that I’m not Portuguese. Several other kinds of examples are given in the text. The currently dominant theories of the propositions we mean and believe can’t accommodate the relativity feature, and proponents of those theories will want to argue that they can explain away the motivation for supposing that some propositions have the relativity feature. I try to say why two such theories—the theory of Russellian propositions and the theory of Fregean propositions—can’t successfully do that. It becomes clear that in order for an x-dependent proposition to have the relativity feature, it must be at least both fine-grained and unstructured. On the conception of pleonastic propositions (I say in the text what that conception is and why I call them that), the x-dependent propositions we mean and believe are both fine-grained and unstructured, and the particular way they are individuated makes it easy to see that, and how, they accommodate the relativity feature.
Session 13 28 May 2004
Genoveva Martí (ICREA and Universitat de Barcelona)
Rigid General Terms and Rigid Designators
Some philosophers have characterized the notion of rigidity for general terms on the basis of the traditional definition for singular terms. From this point of view a rigid general term is one that designates the same universal in every possible world. Scott Soames and Stephen Schwartz, among others, have presented two objections to this characterization of rigidity. On the one hand, the approach is supposed to trivialise the notion of rigidity, for on the proposed definition all general terms turn out to be rigid. On the other hand, the approach does not account for what, supposedly, should be a consequence of the definition of rigidity, the fact that the necessity of statements of the form ‘P is Q’ follows from the rigidity of P and Q. My purpose is to defend the approach from these two objections and to point out a different reason why the characterization of general term rigidity in terms of sameness of designation needs to be interpreted with caution.
Session 12 27 May 2004
Carl Hoefer (ICREA and Universitat Autònoma de Barcelona)
Time and Objective Chance
My talk will be in the area of philosophical accounts of probability. One major philosophical view of objective probabilities, or chances, describes these things in terms of “propensities”. E.g., the fact that the chance of heads, if you flip a coin fairly, is 1/2, is understood as a propensity, of degree 0.5, to produce the outcome “heads”. This propensity-property is understood to be a property of the combined coin + flipper system. I will criticize the propensity view of objective chance by arguing that it is conceptually bound up with a long-discredited view of time, namely, “A-series” or “flowing” time. The thesis, in brief, is that if one tries to express the doctrine of propensity chances in a way that does not implicate flowing or “passing” time, one finds that it is essentially impossible. Therefore, there is no metaphysically acceptable way to say what propensities are; those who think that objective chance is nevertheless an important idea, must seek a different account of it.
Session 11 14 May 2004
Helder Coelho (Departamento de Informática da UL)
As Faces do Poder de um Agente
Os agentes artificiais ganharam uma grande popularidade graças às suas aplicações na exploração da internet, na indústria do entretenimento (jogo de computador, cinema) ou na simulação social para a resolução de problemas complexos (papeis, tarefas, comportamentos). Em 25 anos, esta área científica ganhou um estatuto de campo multidisciplinar, onde se destacam a Informática, a Inteligência Artificial, a Filosofia, a Neurobiologia, a Matemática, a Psicologia ou a Sociologia, as quais interactuam activamente, exportando e importando ideias (técnicas, mecanismos, abordagens). Na presente palestra apresenta-se trabalho em progresso no LabMAG/FCUL, segundo uma perspectiva filosófica, em torno da modelação e da arquitectura da mente dos agentes, e centrado na noção de poder. A mentalidade (racionalidade) do agente é desconstruída em estados mentais, discutindo-se as suas propriedades e as suas ligações, quer entre si ou com os comportamentos (acções) esperados. Separam-se os comportamentos individuais dos colectivos, e o interesse desta temática para a experimentação computacional em Economia, Organizações ou Psicologia Cognitiva. Finalmente, colocam-se algumas questões abertas sobre os mistérios da mente ainda não esclarecidos, e defende-se a necessidade de discussão filosófica para orientar a futura investigação.
Session 10 30 April 2004
José Leitão (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra)
Competência e desempenho na dedução com premissas quantificadas: a hipótese do processamento baseado na representação de operadores modais
Esta comunicação aborda a questão das representações e processos mentais que instanciam o raciocínio dedutivo humano. O tratamento do tema articula dois momentos: 1. Procura-se pôr em evidência aquelas que temos como as inadequações fundamentais das teorias actualmente dominantes na psicologia cognitiva do raciocínio dedutivo (designadamente as teorias da lógica mental e a teoria dos modelos mentais). Essas desadequações prender-se–iam com: 1.1. a explicação dos processos de aquisição da competência dedutiva; 1.2. a integração nessa competência da capacidade de representar, apreender explicitamente e utilizar no contexto de tarefas de raciocínio a destrinça entre possibilidade e necessidade. 2. Defende-se uma proposta teórica que permita ultrapassar os problemas anteriormente discutidos, para o caso da dedução baseada em premissas quantificadas: 2.1. Apresenta-se a proposta alternativa às discutidas em (1), descrevendo a sua instanciação num modelo computacional do raciocínio silogístico categórico. Nesse modelo projectam-se três assunções teóricas fundamentais: i. O processamento cognitivo de asserções quantificadas produz uma interpretação dessas asserções que representa a quantificação referindo-a a mundos possíveis e não a objectos. ii. A inferência silogística assenta sobre a regra do Silogismo Hipotético (SH). iii. Equivalências da lógica modal são utilizadas (a) para criar uma representação das premissas que permita o uso apropriado de SH ou (b) para verificar a adequação de um uso prévio de SH para obter uma conclusão tentativa. 2.2. Descreve-se algum trabalho de avaliação da adequação empírica do modelo proposto para o raciocínio silogístico e discutem-se as possibilidades de generalização desse modelo para tarefas de raciocínio com premissas contendo outros quantificadores que não os quatro contemplados no modelo actual.
Session 9 26 March 2004
António Horta Branco (Departamento de Informática da UL)
Complexidade da Linguagem e Ciência Cognitiva
Ao longo da nossa tradição intelectual, a linguagem é iteradamente tida como a distinção específica da espécie humana. Não raras vezes, essa distinção é associada à complexidade da linguagem. A apreensão de tal especificidade antropológica passará assim por uma caracterização da natureza e grau dessa complexidade. A investigação acerca da complexidade da linguagem humana natural pode tomar como ponto de partida questões diversas, dirigidas a diferentes dimensões do fenómeno linguístico. Por exemplo: Que invariantes existem nos milhares de idomas do mundo e na mudança histórica das línguas naturais face à interacção continuada dos falantes individuais? Como é que uma capacidade cognitiva tão sofisticada como a capacidade linguística é adquirida tão cedo e tão rapidamente na vida de cada indivíduo? Qual o nível de complexidade computacional subjacente ao processamento da linguagem natural? Etc. Neste seminário, a questão da complexidade da linguagem humana natural será abordada na perspectiva da última das três questões alinhadas acima. Procurarei apresentar de forma abreviada os principais resultados acerca deste assunto, na extensão suficiente para reflectir com a audiência acerca da sua contribuição para: (i) se responder à pergunta de partida; (ii) se ajuizar acerca da viabilidade do projecto da da ciência cognitiva tanto quanto este se baseia no paradigma do processamento da informação.
Session 8 19 March 2004
Frederico Marques (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UL)
Dissociações, Modularidade e Sistemas em Ciência Cognitiva
No âmbito da ciência cognitiva e, de forma particular, na psicologia cognitiva e na neuropsicologia cognitiva, a descrição da arquitectura funcional da mente humana tem sido procurada com o recurso a dissociações de desempenho em tarefas diversas. Estas dissociações apresentam-se como um instrumento muito importante para a inferência de processos mentais ou módulos separados mas o seu estatuto e poder explicativo têm sido crescentemente contestados. Na presente comunicação dar-se-á conta dos vários tipos de dissociações de desempenho que têm sido considerados com especial destaque para as dissociações simples e para as duplas dissociações. Serão apresentadas as características e limitações dos vários tipos de dissociações e apresentadas diferentes propostas de soluções consideradas no sentido da promoção da investigação em ciência cognitiva.
Session 7 27 February 2004
Allan Gibbard (University of Michigan, Ann Arbor)
Ethical Impasse: Two Accounts
Three accounts of the content of ethical claims are compared: Michael Smith’s sophisticated Naturalistic Subjectivism (NS), my own Straight Expressivism (SE), and a hybrid view Expressivistic Subjectivism (ES). Smith’s NS holds that ‘ought to do X’ means would want to do X, if one’s desires were “maximally informed and coherent and unified”. My own view SE is a form of expressivism: to think that a person ought to do X is to want to do X, for the contingency of being he. Smith’s theory won’t work as a straight, naturalistic definition, I argue, but might work if combined with an element of expressivism, yielding a hybrid view ES. I then turn to cases of impasse, where each party knows all natural facts and is fully coherent, but they want different things for the same contingency. One pure type is Constitutional Impasse, where the impasse traces to differing basic proclivities of judgment. The other is Multi-Equilibrium Impasse, where the impasse traces to different views of what makes one a qualified judge. I compare how ES and SE apply to these two types of impasse, and argue that an apparent advantage of ES fails to survive scrutiny. The paper draws on my books *Wise Choices, Apt Feelings* (1990) and *Thinking How to Live* (2003).
Session 6 20 February 2004
Paolo Leonardi (Università di Bologna)
Does the Sceptic Have an Argument?
Sceptical arguments are sometimes described as philosophical paradoxes or as a philosophical disease (Cf., for instance, respectively Wright 1991 and Williamson 2004.). In a very simple minded way, the paradox or disease may be told as follows: a sceptic finds any argument wanting, even one that showed an argument to be wanting. If scepticism were paradoxical or a disease, it wouldn’t indeed be an argument. Here, however, I’ll try to tackle more directly with one sceptical doubt, discussing some aspects of a hardest one, the Dreaming case, invented by Augustine and made famous by Descartes. (a) Do we actually mistake dreaming for perceiving? I think we don’t, and I’ll wonder whether we can be wrong in thinking to mistake the one for the other. (b) It isn’t relevant, it has been claimed, that we are actually deluded: we might be dreaming what we deem to be perceiving. Could we? Could we trisect an angle helping ourselves of a compass? Could a man have been 10 mt. high, with the proportions of his 1,80? Most man would still deem possible trisecting an angle by means of a compass, and the issue concerning how big a man could be only two centuries ago would have been hard to evaluate, though today it is deemed to be biologically impossible for a man to be that big. The dreaming/perceiving alternative might still be as hard to appraise. It is not logically contradictory if we can perceive that p, that we dream that p. But to be red and blue isn’t logically contradictory either. The fact is that we don’t know whether it is de re possible that we dream a thing rather than perceive it, and that our conceiving tools are too rough to run a thought experiment. (c) To confuse dreaming with perceiving, anyway, we would have to master what dreaming and perceiving are. But it is part of the conjecture that we might have mistaken the one for the other throughout. If we had, how could we otherwise tell? How could we know what dreaming is and what perceiving is? If we were to rely on an intensional grasp of the two notions, couldn’t it be that it were those definitions to open up a possibility which perhaps isn’t there, and, anyway, how could we tell that the definitions are appropriate? But if we know what perceiving is, because we are acquainted with it, then at least in some cases, we have perceived and, if the sceptic is right, not dreamt of having. Then, I’ll consider a few other aspects: (i) We can, I’ll surmise, perceive p and dream it; (ii) I’ll contend the use of the iterativity principle –according to which if we know that A, we know that we know it – which is often applied in the Dream argument. In closing, (iii) I’ll put in question the view that a draw is supposed still to be a winning option for the sceptic, suggesting that the understanding of knowledge as more than justified true belief is inadequate and the source of our problems.
Session 5 6 February 2004
Manuel Garcia-Carpintero (Universidade de Barcelona)
Fiction Making as an Illocutionary Type
Anybody familiar with fictions knows propositions constituting their content sometimes the most important ones which are not explicitly presented in them, but must somehow be inferred. This paper deals with what these inferences tell us about fiction. I will criticize three well-known proposals in the literature, by Lewis (1978/83), Currie (1990) and Walton (1990). I will advocate a proposal of my own, which I will claim improves on theirs. Most importantly for my purposes, I will argue on this basis, against Walton¹s objections, for an speech-act account of fiction, inspired in part by some of Lewis¹ and Currie¹s suggestions, but (paradoxically) above all by Walton¹s deservedly influential views.
Session 4 30 January 2004
Fernando Ferreira (Departamento de Matemática da UL)
As Duas Faces da Lógica
Nesta palestra descrevemos duas maneiras de encarar a lógica. Uma é a maneira hoje prevalecente, baseada nas noções de referência e verdade. Outra, a que toma como basilares as noções de expressão e inferência. A segunda maneira é mais geral do que a primeira. Por um lado, porque as regras de inferência que são válidas nesta última acepção também o são na primeira. Por outro, porque a lógica baseada na expressão e na inferência abarca situações com as quais a lógica baseada na referência e verdade não lida fidedignamente. Damos exemplos destas situações, nomeadamente de situações em que a quantificação não acarreta compromisso ontológico. Entre estas, damos especial atenção à situação que concerne a quantificação de conceitos (ou de segunda-ordem) e o concomitante fenómeno da “impredicatividade”. Terminamos com uma aplicação à filosofia da matemática.
Session 3 5 December 2003
José Díes (Universitat Rovira i Virgili, Tarragona)
Theoretical Content
Within post-Kuhnian, philosophy of science much effort has been devoted to issues related to conceptual change, such as incommensurability, scientific progress and realism, but mostly in terms of reference, without a fine-grained theory of scientific concepts/senses. Within the philosophy of language and of mind tradition, there is a large body of work on concepts, but the application to scientific concepts has been very tentative. The aim of this paper is to propose a general framework for a theory for the individuation of scientific concepts. The general view about the individuation of concepts favored here is the possession-condition approach: to individuate a concept is to identify its possession conditions. The general metascientific tools for the analysis of scientific theories are model-theoretic, more specifically, structuralist: scientific theories, the entities to which scientific concepts belong, are model-theoretic theory-nets. The general idea about the content of scientific concepts that inspires this proposal comes from: (i) our grandfathers’ “laws-plus-correspondence rules”, (ii) Kuhn’s “laws applied to exemplars” views and (iii) moderate operationalism. The aim is to show that some clarification can be gained applying the possession condition approach to (an expansion of) these three elements using structuralist metascientific tools. First, I briefly present the two main structuralist ideas I shall use: the difference between observability and non-theoreticity, and the notion of theory-net. Second, I informally introduce the five components that come from my reading of the three traditional elements; these components are, or are not, plausible independently of how they will be integrated within a theory of concept identity. Third, I present the general traits of the theory of possession conditions for concept-identity that we shall use for the integration of such components. Finally, I propose the general traits of the possession condition that corresponds to each of these five components and I present some problems and point out some possible ways of dealing with them. As the title emphasizes, this paper is programmatic in character; it only proposes a general framework and an agenda for a theory of scientific concepts. To carry out the program, further conceptual and (meta)empirical work is needed. It requires an elaboration and full defense of some controversial theses largely discussed in the literature that, though motivated, are almost dogmatically assumed here, remarkably, the concept-constitutive character of some empirical facts or propositions,1 and the relevance of a neutral observational basis irrespective of the difficulties in clarifying its nature. And it also requires refinements in the different alternatives for the main problems we have to deal with in the determination of the possession conditions. Here we must distinguish: (a) the determination of the different components, (b) the determination of the general logical form of the possession condition that corresponds to each component, including the different options for fixing the parameters that enter in the condition, and (c) the determination of which of these options applies to a specific concept, i.e., of the specific version of possession conditions for a specific concept. The first two parts are mainly conceptual and will be schematically developed here. In the last step, though, it is also necessary to take into account metaempirical results provided, mainly, by historians and psychologists of science, for relevant data for a specific concept come from its users’ intuitions. Since this cannot be done within the limits of this contribution, what I say here taking as an example the classical concept of mass is quite vague and highly speculative, and its only aim is to illustrate the kind of problems we have to deal with. This may make the proposal too programmatic; the goal, though, is to present a framework precise enough to show the kind of things we have to determine when approaching issues involving concept-identity and conceptual change in science.
Session 2 28 November 2003
José Gabriel Trindade Santos (Centro de Filosofia e Departamento de Filosofia da UL)
O Nascimento da Verdade
Há três sentidos de ‘Verdade’ nos diálogos platónicos: coloquial (“É verdade”, “É correcto”); ético (verdade/mentira, falsidade); técnico (onto-epistemológico: verdade=realidade: Parm., frgs. 3, 6.1-2: ser = pensar = dizer). O problema de Platão é o de unificar estes três sentidos, através da sua integração numa teoria consistente. Os dois primeiros são correntes. O terceiro é desenvolvido nos livros centrais da República: V 476e-481; VI 505c-VII 535a. O argumento começa por distinguir as competências cognitivas opinião e saber. Enquanto uma se exerce sobre a aparência sensível, produzindo opiniões, a outra exerce-se sobre o inteligível, produzindo o saber. Em causa está a natureza da relação entre sensibilidade e razão: (complementares ou opostos)? Com o argumento, Platão visa impedir a confusão de uma competência com a outra; provar a necessidade do saber das Formas – único meio de acesso ao ser. Na continuação (Sol, Linha e Caverna), a Verdade surge como a metáfora que representa a identidade de ser com o saber, o análogo inteligível da luz que permite a visão do sensível. É captada pela alma e expressa a afinidade desta com o divino (Fédon 77-82; Fedro 245c-257c; Simpósio 211). Esta acepção é incompatível com as outras duas e impraticável como modo exclusivo tanto para o conhecimento do ser, como para o atingir do saber. Se o método hipotético (Fédon) pode funcionar numa investigação que visa provar uma tese (imortalidade da alma), mostra-se impotente para enfrentar as aporias do ser, pensar e dizer, motivadas pelas ambiguidades, no Grego, do verbo ‘ser’ (“X é A” = “X=A” = “X, A existem”?) e da negativa (contradição = contrariedade = alteridade?). Ou seja, é inútil como instrumento de análise do real. O esforço para habilitar a filosofia para o conhecimento do mundo e da vida implicará distinguir na metafísica onto-epistemológica dos diálogos sobre a teoria das Formas os problemas ontológico do ser e epistemológico do saber, mediante a prévia resolução dos problemas lógicos da predicação, da identidade e da existência. É neste programa que Verdade e Falsidade emergem opostas, como propriedades das proposições (Sof. 263b), descrevendo estados de coisas, pela atribuição ou não atribuição de predicados a sujeitos (Sof. 261d), ainda de modo indefinido. A concepção emerge como saldo da análise que começa por distinguir existência, identidade e predicação nas modalidades de relacionação do Ser com o Mesmo e o Outro, para delas inferir a reformulação da negação como alteridade (Sof. 254 sqq). Consequentemente, se predicar é atribuir outro ao que é, Verdade e Falsidade descrevem as condições em que tal predicação será correcta. Esta conclusão permite unificar os três sentidos de Verdade, acima referidos. Sintetizando, chegamos a três regimes da Verdade nos diálogos platónicos. Na obra elênctica, falta uma teoria da Verdade, pois esta está limitada aos sentidos coloquial e ético. O facto explica a natureza aporética das investigações, para mais, dominadas pelas ambiguidades acima referidas. Na obra sobre a teoria das Formas, a noção da Verdade como coerência, garantida pela articulação das proposições num argumento que parta da hipótese da realidade das Formas (Féd. 100a sqq), corresponde à defesa do uso onto-epistemológico. Na trilogia Teeteto, Sofista, Político, é desenvolvida o argumento que aponta para uma teoria da Verdade como adequação. Mas esta última só será introduzida por Aristóteles, com a apresentação das teorias paralelas da substância e da predicação (Categorias); a rigorosa codificação da linguagem e das suas partes constitutivas (Da interpretação); e a teoria do silogismo (Primeiros analíticos). Por um lado, em Cat. 1, a distinção dos entes pelo cruzamento dos vectores – “O que existe num sujeito” e “O que se diz de um sujeito” – estabelece a distinção entre Substâncias Primeiras e Segundas, constituindo estas como predicados típicos, em contraposição às outras, assumidas como sujeitos da predicação. Este movimento inviabiliza a concepção platónica de saber, mostrando que a noção de Forma resulta da confusão do indivíduo, sujeito da predicação, com o predicado universal. O erro é denunciado pelo Estagirita pela expressão “dizer o ser de uma única maneira”, que o converte num género. Por outro lado, a análise da linguagem, no De int., confirma que só o logos, constituído por nomes e verbos, dotados de significação convencional, pode ser verdadeiro ou falso. Finalmente, nos PA, a tabela das oposições regulamenta a negação, distinta em proposições contrárias, sub-contrárias e contraditórias.Do exposto resulta que a definição aristotélica de ‘verdade’ – “do que é dizer que é, do que não é, dizer que não é” (Met. IV7, 1011b26-28) – estabelece a teoria da Verdade como adequação (inatribuível a Platão, pela persistência nos diálogos da concepção onto-epistemológica da Verdade)
Session 1 24 October 2003
João Branquinho (Centro de Filosofia e Departamento de Filosofia da UL)
Estará a Barba de Platão mesmo emaranhada?
Argumenta-se que há uma formulação do argumento alegadamente falacioso famosamente designado por Quine como A Barba de Platão na qual o argumento está longe de ser uma falácia. Nessa formulação, a doutrina “platónica” alegadamente confusa ou emaranhada subjacente à Barba – a doutrina de que o não ser tem que de algum modo ser, caso contrário não se poderia sequer afirmar coerentemente daquilo que não é que não é – está longe de ser confusa. Mostra-se, para além disso, que a formulação em questão não nos compromete necessariamente com uma concepção Meinongiana do ser e da existência, com a ideia de que “coisas” como Pégaso ou A Montanha Dourada são mas não existem. Mostra-se que tal formulação é consistente com a tese de que tudo existe, de que não há nada que não exista.